domingo, 20 de julho de 2008

O céu de Limoges.

Ainda acordo cedo no Brasil. Quero dizer, relativamente cedo se comparado à hora que melevanto em Limoges. 10 da manha, horàrio de Brasilia; 3 da tarde, horàrio de Paris.

Ainda acordo no Brasil e me levanto em Limoges. Nao sei quando acordarei verdadeiramente aqui.

As pessoas e os lugares quando sonho nao pertencem à esta terra onde estou, portanto, é no Brasil que durmo e acordo quando deito e levanto em Limoges.

Triste? Possivel. Eu que sempre fiz questao de acentuar as palavras e escrever corretamente agora sou escrava do teclado correto e eu as maos erradas.

Minha escrita nao pertence a esta terra, minha gramàtica pode ser irma desta que aprendo e ainda nao ouso mas, como todas as irmas que conheço, sao completamente diferentes.

Filhas da mesma mae e mesmo pai: casal chamado Latim, português e francês nao se misturam, a nao ser no papel. Mas papel é coisa que nao me apetece. Além do mais, os correios brasileiros estao em greve, dai que mesmo cedendo aos caprichos da volta ao tempo, minhas noticias nao chegariam onde quero.

A tela, o cursor e o teclado sao minha ocupaçao derradeira para o trabalho e lazer.

É minha porta de entrada para o Brasil.

O céu de Limoges, ah! o céu de Limoges.
Devo escrever antes que fuja eu do assunto. O céu de Limoges é azul, azul. As nuvens sao densas, pesadas.
Hà calor hoje aqui. E eu posso deitar com minha câmera e fotografar o céu porque, se fechar os olhos e tapar os ouvidos para que nao entrem vozes em linguas estranhas, sou capaz de apostar que estou em Recife.

O azul é azul em qualquer lugar do mundo. E as nuvens sao brancas e pesadas como em dias quentes que preparam chuva no Recife.

Mas eu verdadeiramente nao estou ai, lugar onde vc lê isso agora, suponho. Estou aqui... e saio caminhando a me perguntar: como posso eu estar ai, se estou aqui? Como posso eu dizer que moro em Limoges se minha cabeça està sempre là, no céu de Recife, a procura do cheiro do mar?

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Lua para os amantes.

Lua cheia hoje.

Lembre de tudo o que foi dito antes.

Lua cheia hoje.

Vivi tudo muito bem a todo instante.

Lua cheia hoje.

Revi todos os livros da estante
E vi
Que amores sao sempre
Os mesmos
Em cada romance
É sempre uma novela
E quando
Recomeça
É
sempre
novo
outra
vez...

E mesmo quando é de novo
Um novo amor que vem

Como a lua apòs 31 dias volta cheia
E nua
Mingua
E Transparente se faz nula.

Que de tanto querer me fiz tua
Na minha imaginaçao
E tabém na sua.

Que me desprezes,
Normal.
Pra mim isso é como qualquer coisa
Formal.
O resultado de um mal entendido
Fatal.

Lua cheia hoje.

Lembre de tudo o que foi dito antes.

Lua cheia hoje.

Vivi tudo muito bem a todo instante.

Lua cheia hoje.

Revi todos os livros da estante
E vi
Que o final é sempre o mesmo

Para os amantes.

domingo, 13 de julho de 2008

Joao Cabral de Melo Neto

Os Três Mal-Amados


Joaquim:

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certid�o de idade, minha genealogia, meu endere�o. O amor comeu meus cart�es de visita. O amor veio e comeu todos os pap�is onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus len�os, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o n�mero de meus sapatos, o tamanho de meus chap�us. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus rem�dios, minhas receitas m�dicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as cita��es em verso. Comeu no dicion�rio as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utens�lios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utens�lios: meus banhos frios, a �pera cantada no banheiro, o aquecedor de �gua de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a �gua dos copos e das quartinhas. Comeu o p�o de prop�sito escondido. Bebeu as l�grimas dos olhos que, ningu�m o sabia, estavam cheios de �gua.

O amor voltou para comer os pap�is onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha inf�ncia, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o l�pis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto � bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de autom�vel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a �gua morta dos mangues, aboliu a mar�. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde �cido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chamin�s. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu at� essas coisas de que eu desesperava por n�o saber falar delas em verso.

O amor comeu at� os dias ainda n�o anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu rel�gio, os anos que as linhas de minha m�o asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu ver�o. Comeu meu sil�ncio, minha dor de cabe�a, meu medo da morte.